terça-feira, 25 de abril de 2023

X - A MARCA DA MORTE (2022) / PEARL (2022)



X - A MARCA DA MORTE (2022) – Dois filmes que poderiam ser um só. Mas Ti West, o diretor, roteirista e produtor, resolveu dividir. X - A Marca da Morte foi lançado antes, apesar de se passar 61 anos depois. 

A trama certamente, você já viu em outras inúmeras produções: grupo de jovens chega à um lugar afastado, no interiorzão dos EUA, e enquanto no começo tudo parece bem, aos poucos a coisa desanda e vira um banho de sangue. Ti West, como grande fã do gênero, soube muito bem homenagear filmes clássicos. Tem muito aqui de O Massacre da Serra Elétrica, Quadrilha de Sádicos, e até O Iluminado... entre tantos outros. Mas West conseguiu algo curioso: homenageou e copiou na cara larga... e mesmo assim, fez algo com gostinho de inédito. 

X - A Marca da Morte tem traços bem evidentes de um road movie. O filme começa com uma viagem de uma trupe que segue numa van até uma fazenda, pra lá de decadente, para rodar um filme. No caso, um pornô. O ano, 1979. A fazenda está tomada pela vegetação e os únicos moradores são dois velhinhos (Pearl e Howard) que não tem nada de amigáveis. As gravações do filme acontecem num celeiro afastado da casa principal, mas em determinado momento a idosa Pearl espia pela janela o que está sendo feito ali dentro. E a partir daí tudo muda. Isso porque a velha se reconhece em Maxine (Mia Goth, atriz estreante escolhida por West para ser o rosto da sua trilogia). Os velhos piram, não deixam os jovens irem embora da fazenda e começa uma matança bastante gráfica e sanguinária. Como disse, é algo já visto em muitos outros filmes, mas aqui tem gostinho de inédito. Além de Goth, o destaque do filme é de Jenna Ortega (da série Wandinha).

X - A Marca da Morte é um bom filme, mas imagino que seria facilmente esquecido num universo onde várias outras obras parecidas já foram lançadas. Por isso, Pearl - lançado pouquíssimo tempo depois - é tão importante. 

Veja abaixo o trailer de X - A Marca da Morte.




PEARL (2022) - O segundo filme da trilogia se passa em 1918 na mesma fazenda, onde acompanhamos a vida de Pearl, aqui vivendo o começo da vida adulta e nada indica que ela vai se tornar a velha maluca de X - A Marca da Morte. Ela já é casada com Howard, mas ele está longe servindo na primeira guerra. Pearl vive na fazenda sob o rígido guarda chuva da mãe alemã e ajudando nos cuidados com o pai, que está preso numa cadeira de rodas e movimenta apenas os olhos. 

Pearl gosta de dançar, se imagina como uma dançarina. Mas tem algo de diferente. Gosta de matar alguns pequenos animais de forma impiedosa. Joga os cadáveres no lago da propriedade, onde um grande crocodilo vive. Ela até brinca de apertar o pescoço do pai, quando a mãe não está olhando. A mãe diz que Pearl tem algo de estranho, que dá medo. Mas o quê, não diz. Fica no ar. 

Ela aposta todas as suas fichas num concurso de dança que acontece na igreja da cidade. Mas a ambição da garota somada às frustrações do dia a dia, resultam numa fórmula assustadora e impiedosa. Pearl explode e passa a somar vítimas, praticamente todos os que estão ao seu redor. 

Goth brilha mais uma vez, apresentando nuances que fazem a sua personagem ir do 0 ao 100 em instantes, explodindo de uma forma assustadora e usando qualquer coisa como arma. E afirmo sem medo: a sequência final está entre as mais impressionantes sequências de terror lançadas nos últimos anos – homenageia clássicos sem perder a própria identidade e é bem difícil de ser esquecida. 

Ti West lança em tão pouco tempo dois bons filmes de terror, que juntos ganham ainda mais peso e animam para a conclusão da trilogia, que se passa imediatamente após X - A Marca da Morte.

Veja abaixo o trailer de Pearl


quinta-feira, 6 de abril de 2023

O URSO DO PÓ BRANCO (2023)



O URSO DO PÓ BRANCO (Cocaine Bear / 2023) – Como é bom ver um filme de terror, no caso terrir, quando a gente não se importa minimamente com nenhum personagem. Tudo vale. E aí qualquer bobagem da história acaba perdoada. E melhor ainda quando absolutamente ninguém se leva a sério. Esse é o charme e o grande atrativo de Urso do Pó Branco, filme dirigido por Elizabeth Banks, atriz conhecida por Ligeiramente Grávidos.

A história de baseia em fatos reais, pelo menos é isso que a produção exibe logo no começo. O ano é 1985 e um traficante doidão de droga, começa a jogar várias malas cheias da droga pela porta do avião monomotor, em que é o único à bordo. As malas cheias de cocaína acabam espalhadas por um parque nacional nos Estados Unidos. Alguns sacos ficam intactos, outros estouram na hora que chegam ao solo. De qualquer forma, um urso acaba atraído pelo cheiro do pó e acaba inalando. Viciado, ele corre pela floresta atrás de mais e mais cocaína. E quanto mais ele cheia, mais violento ele fica. Teoricamente, aquela espécie de urso é pacífica e não ataca seres humanos. Mas quando está possuído pela cocaína, o bichão sai matando um por um, sem dó.

O roteiro é muito hábil na maneira como ele cria a história e constrói a trama, fazendo com que todos os núcleos de personagens se dirijam para um mesmo lugar seguindo por vidas diferentes, no caso uma cachoeira e um gazebo. Dessa forma, o suspense está sempre no ar e por não fazer a menor diferença quem vai ser a próxima vítima, basta a gente ficar de camarote no aguardo para a próxima matança do urso. 

É tudo gráfico, com muito sangue e absurdo, mas são situações divertidas que arrancam boas risadas, no melhor estilo terrir. Claro... no começo a cara do urso e a “expressão facial” (?!) dele incomoda um pouco. Assim como a sobrancelha arqueada e até mesmo o movimento corporal meio estranho. Mas depois, O Urso do Pó Branco vai bem e isso acaba fazendo parte da graça da experiência. 

Vale como homenagem também a Ray Liotta, que atuou ao em seu último filme, antes de morrer precocemente aos 67 anos. 

Veja abaixo o trailer de O Urso do Pó Branco




quarta-feira, 11 de julho de 2018

DOENTES DE AMOR (2017)

Encontro inesperado

DOENTES DE AMOR (The Big Sick / 2017) – O título em português é horrível. Até demorei pra assistir este filme pelo nome. Verdade. Passa uma imagem de ser uma comédia romântica rasa, bem sessão da tarde mamão com açúcar. Não poderia estar mais enganado. O roteiro do filme, baseado na vida do protagonista Kumail, concorreu ao Oscar, muito por conta de uma despretensiosa história que levanta uma série de questões bem atuais.

O diretor Michael Showalter (de pé) em ação

Kumail é paquistanês que há tempos mora nos Estados Unidos com os pais e o irmão, porém não dividem o mesmo teto. Ele divide um apartamento pequeno com um amigo e passa boa parte do seu tempo no bar onde se apresenta em shows de stand up. O resto do dia ele passa levantando dinheiro como motorista de uber. Em uma das apresentações ele conhece Emily e começam a sair. A química rola bem e começam a namorar. O problema é que Emily é loira e não tem nada de paquistanesa. Por isso ele não conta pra família tradicional sobre a namorada americana. E a mãe de Kumail continua apresentando ao filho mulheres paquistanesas. Pela cultura deles o casamento é arranjado entre as famílias. Kumail se enrosca por não contar para uma sobre a existência da outra.



Os pais dela

SPOILERS

Esse poderia ser o único plot de Doentes de Amor, mas como disse antes, está não é uma comédia romântica tradicional pura e simples. O namoro acaba e quase ao mesmo tempo Emily se descobre portadora de uma doença que ninguém descobre o que é. Kumail, que ainda gosta de Emily, avisa os pais dela sobre a doença e fica no hospital o tempo todo. A relação dos pais com Kumail não é boa. Eles parecem ter um certo preconceito com o rapaz, talvez por ser paquistanês e muçulmano (mesmo não praticante). Em determinado momento conversam sobre o onze de setembro e Kumail responde: “foi uma tragédia,  perdemos 19 dos nossos melhores homens”. E explica na sequência que foi uma piada para alívio dos pais.

FIM DOS SPOILERS

Ele está sempre lá
A relação dos pais de Emily com Kumail levantam questões secundárias como tolerância religiosa,  racial e acaba sendo a força de que Emily tanto precisa. As tiradas espertas do roteiro são o palco perfeito para Kumail e Terry (Ray Romano) dando leveza para a pesada trama. Por esse peso inesperado digo que Doentes de Amor lembra Digam o que Quiserem, clássico de Cameron Crowe com John Cusack. Um filme a princípio leve, uma comédia sem pretensões mas que deixa pontos importantes pra discussão. São filmes muito mais profundos do que parecem. E no final surpresa nos créditos. Fotos que comprovam que a história aconteceu de verdade. Uma grata surpresa.
Veja abaixo o trailer de Doentes de Amor.

domingo, 8 de julho de 2018

O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA (2006)

Whitaker no papel da sua carreira

O ÚLTIMO REI DA ESCÓCIA (The Last King of Scotland / 2006) - Forest Whitaker ganhou o reconhecimento geral em O Último Rei da Escócia, levou o Oscar pela atuação do ditador Idi Amin. Whitaker atuou em diversos filmes e seriados desde 1982. Destaque para Platoon, O Mordomo da Casa Branca e pontas em Rogue One e Pantera Negra. Em nenhum deles ele esteve tão bem quanto em O Último Rei da Escócia.

Governando à duras mãos

A história começa na Escócia nos anos 70. Nicholas (James McAvoy) acaba de se formar em Medicina mas não queria trabalhar no País. Ele literalmente rodou o globo e acabou pousando o dedo em Uganda.

Nicholas (McAvoy) começando o trabalho humanitário na Uganda

O país africano passava por um período político turbulento. O governo de Milton Obote acabara de sofrer um golpe e o general Idi Amin (Forest Whitaker) se tornou o novo presidente. No começo tudo bem, o povo aplaudia a passagem de Amin nas cidades e nos vilarejos. Nos comícios era ovacionado. 

Idi Amin

De repente ele foi surpreendido por um chamado, o presidente precisava de atendimento médico. Quando chegou no local o cenário era o seguinte: o carro presidencial parado no canto da estrada, do outro lado um boi agonizando e os donos dele se lamentando e no centro o presidente Amin reclamando de dores na mão. Nicholas atendeu o ferimento do presidente e começou a se irritar com os gritos agonizantes da vaca. Por fim, sacou a arma do coldre do presidente e matou a vaca. O presidente gostou daquele ato repentino e inesperado, Nicholas caiu no gosto do mandatário do país.

A desconfiança no começo
Em pouco tempo se tornou amigo, confidente e até conselheiro do presidente. Algumas pessoas tentavam alertar Nicholas sobre as atrocidades que ele cometia contra a população, contra inimigos políticos e claro traidores dentro do próprio governo. Nicholas não acreditava porque não tinha visto nada. Para ele, Amin era até injustiçado.

De médico pessoal a amigos
Até que ele informou a Amin sobre um ministro que estava conversando de forma estranha com outro homem. Do nada, ele desapareceu. Aí Nicholas percebeu que o governo era uma ditadura. E pior, disse que queria ir embora pra Escócia, Amin não deixou e o jovem se viu preso a um homem violento em um país sem  lei.

O diretor Kevin McDonald em ação

O grande trunfo de O Último Rei da Escócia é mesmo Whitaker. Ele  consegue mudar de intenção em uma mesma cena, saindo de um sorriso simpático e bonachão para uma expressão fechada,  amarrada,  que te deixa às mãos do inesperado. Assustador, pra dizer o mínimo.

A expressão que se fecha e a ditadura que se acirra

O filme ganha tons claustrofóbicos na parte final e cumpre muito bem o papel de servir como biografia do líder autoritário de uma das mais sangrentas ditaduras da história, que vitimou 300 mil pessoas em 7 anos. O Último Rei da Escócia serve hoje, 10 anos depois, como espelho de outros governantes que tem por aí. Um líder “mimado que mais parece uma criança”, conforme descrito por Nicholas. Uma semelhança que não é mera coincidência.
Veja abaixo o trailer  de O Último Rei da Escócia.


quarta-feira, 4 de julho de 2018

IMPÉRIO DOS SONHOS (2006)

Surrealismo puro

IMPÉRIO DOS SONHOS (Inland Empire / 2006) – O mundo consciente, real, o nosso dia a dia...  Nada disso interessa a David Lynch. E quando interessou – em filmes como História Real, Coração Selvagem, por exemplo - Lynch não soube tirar proveito ou não conseguiu. (Homem Elefante é uma exceção, ok?). O único lugar onde o diretor norte americano parece se achar é no mundo bizarro, irreal... estranho, pra dizer o mínimo.

Metalinguagem

Foi assim que Lynch fez seu nome no cinema – Eraserhead, Cidade dos Sonhos, Veludo Azul, Twin Peaks... – e na televisão, no caso deste último – em obras que estão longe, muito longe de serem tradicionais. Seja pelo roteiro, pela trucagem, pela trilha ou pelos personagens bizarros. Lynch sempre acha um jeito de assinar suas obras. Império dos Sonhos, é claro, não poderia ser diferente.

Nikki tenta entender

Aqui, Laura Dern interpreta Nikki, uma atriz de Hollywood que vive em um casarão bonito, cheia de luxo com direito a mordomo e tudo. Ela recebe a visita de uma senhora com um forte sotaque polonês que diz ser sua nova vizinha. A senhora fala sobre o novo filme que Nikki vai trabalhar, cita algo sobre assassinatos e assusta a atriz quando parece saber do seu futuro.


A nova vizinha polonesa

Por 1 hora o filme se desenvolve de forma até certo ponto linear, pelo menos para os padrões de Lynch. Nikki encontra o diretor do filme fictício, vivido por Jeremy Irons e seu assistente interpretado por Harry Dean Stanton. No estúdio ela encontra também o ator com quem contracenará. Eles descobrem que o filme que irão fazer na verdade é um remake de um filme polonês que não havia sido terminado porque os atores principais foram assassinados. 

Os atores

Sem ligar para o fato, a produção é tocada em frente. E daí em diante não sabemos mais o que é filme, o que é a vida pessoal dos atores ou dos personagens, o que é delírio e o que é pesadelo. E vai assim até o final. 

Um sonho que foge ao sentido

Contar exatamente o que acontece com os personagens não resolve nada, porque o que vale aqui é a jornada perturbadora que a trama toma. Difícil dizer o que é realidade e devaneio de Nikki, mas assim são os filmes de Lynch – histórias densas embebidas em grandes porções de sonho e inconsciente. A viagem aqui não é nada agradável.


Distúrbios

Uma viagem ao mundo das prostitutas sujas, uma família de coelhos em um sitcom passando pelo leste europeu sem explicações e caindo em salas escuras com abajur vermelho e tudo. Tudo muito Lynch.

Os coelhos

Veja abaixo o trailer de Império dos Sonhos, sem dúvida o filme mais perturbador da carreira de David Lynch.


domingo, 1 de julho de 2018

SILÊNCIO (2016)

Japão da perseguição religiosa

SILÊNCIO (Silence / 2016) – Japão, século 17. Martin Scorsese focou nesse país e nesse período pra contar uma história impressionante e pouco conhecida. E por mais problemas que eu veja em algumas características do renomado cineasta – como o uso constante e ininterrupto de trilha, a obsessão por Di Caprio, e outros tantos – tenho que dar o braço a torcer, Scorsese sabe se reinventar. E criou em Silêncio algo diferente, novo, e inovador na sua carreira.

Scorsese em ação

No Japão Feudal o cristianismo é proibido, digno de tortura e morte de quem o segue. Os católicos japoneses são perseguidos e obrigados a negar a sua fé ao pisar em uma imagem de Jesus Cristo. Já os padres que vem de outros países catequizar a população são perseguidos, torturados e mortos. 

Japoneses perdidos escondendo sua fé

Andrew Garfield e Adam Driver são dois padres portugueses que seguem clandestinamente para o Japão à procura de padre Ferreira (Liam Neeson) que sumiu e não mais deu notícias. Lá, a dupla encontra na floresta fechada vários católicos à procura de ajuda, refúgio, confissão e confirmação da sua fé. Mas o cenário no Japão é muito violento.

Olhando por ajuda

Tortura, perseguição e radicalismo religioso. Silêncio tem cenas impressionantes e assustadoramente realistas de tortura e violência. O roteiro bem escrito (baseado em um livro) dá bom espaço principalmente para Garfield mostrar seu talento. E o jovem ator, que só atrapalhou em Até o Último Homem, aqui tem o seu grande momento. Nas cenas mais fortes ele vai muito bem. O feioso Driver mesmo com pouco tempo de tela se mostra um ator de futuro promissor.

Talento

E tudo é muito bem captado pelo olhar sensível de Scorsese. A trilha dá lugar ao silêncio do título,  muito respiro e olhares rumo ao nada. Um filme de reflexão, como sugere a tradição oriental. É um dos grandes acertos de Silêncio.

Caça aos católicos

Não à toa, o filme concorreu ao Oscar de fotografia. É belíssimo. Sempre com as montanhas japonesas de serração forte como pano de fundo.

A bela fotografia de Silêncio

Vale as 3 horas de duração. É um grande acerto que já o coloca como um dos grandes filmes do Scorsese. Longe de  ser um Touro Indomável ou  um Táxi Driver, longe disso.  Mas na rica filmografia de Scorsese não faz feio não.

Escondidos mas rezando

Veja abaixo o trailer de Silêncio.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

ALUCINAÇÕES DO PASSADO (1990)

Lobotomia

ALUCINAÇÕES DO PASSADO (Jacob´s Ladder / 1990) - Fechei um ciclo importante na minha vida ao assistir Alucinações do Passado. Explico. Tinha uns 9 pra 10 anos quando peguei por acaso esse filme na TV numa daquelas sessões de madrugada. Lembro claramente como aquela sequência no metrô, no início do longa, me abalou. Ao mesmo tempo me intrigou.

A sequência no metrô - uma das tantas icônicas do filme

Reação igual comecei a ter no meio dos anos 2000 quando joguei pela primeira vez Silent Hill - só tive coragem de jogar o primeiro deste que é considerado um dos mais assustadores jogos já feitos. Tanto que ele não para de ganhar versões. Silent Hill foi fortemente influenciado por Alucinações do Passado, principalmente na trama psicologicamente pesada.

Silent Hill...

... e Alucinações do Passado. Toda semelhança não é mera coincidência.

O filme começa com um take de soldados na guerra do Vietnã em 1971. Eles estão extenuados, esgotados, com a expressão vazia, olhando pro nada. Aos poucos, na iminência do que parece ser um ataque inimigo, alguns começam a ter convulsões, vomitam sangue e se debatem sem explicação. Jacob (Tim Robbins) é apunhalado na barriga e acorda dentro de um trem anos depois, já cabeludo e mais velho.

Soldados no Vietnã

Na sequência Jacob puxa papo com uma senhora no trem vazio e ela apenas olha pra ele sem piscar e sem responder. Depois ele vê um rabo asqueroso no corpo de um mendigo que tenta dormir dentro do trem. Na estação não há saída, as portas estão trancadas com cadeado e as saídas gradeadas até o teto. Ele decide ir pelos trilhos. Por pouco não é atropelado, dentro do trem que passa ele apenas repara nas pessoas com expressão estranha olhando para ele e no final o maquinista, com os olhos cobertos pelo que parecem ser moedas, faz um aceno estranho. Bizarro.

O maquinista de longe

Jacob, que por muito pouco não foi interpretado por Tom Hanks, tem essas visões o tempo todo, com pessoas de rostos deformados, figuras demoníacas e uma série de outros efeitos. Todos práticos, feitos ali na frente da câmera - afinal falamos aqui de 1990. Como o "head shake", que é gravado com um alteração de frames na hora da captação e dá um efeito assustador.

"head shake"

Aos poucos ele encontra outros veteranos do Vietnã com o mesmo problema e juntando as peças do quebra cabeça ele deduz que tudo não passa de efeito pós traumático da guerra. Mas não é só isso, não mesmo!


A perseguição na viela

SPOILERS

Na verdade a última cena, que mostra Jacob caído após ser esfaqueado no Vietnã, entrega o jogo. Ele esteve morto durante todo o filme. O resto é a batalha de Deus e o Diabo pela alma de um homem que vive no purgatório. Ele é envolto o tempo todo por figuras demoníacas - como a namorada, a cigana que lê sua mão - e ao mesmo tempo por figuras angelicais - como seu médico (Danny Aiello), e seu filho Gabe (Macaulay Culkin).

O filho interpretado por Macaulay Culkin

Como fundo uma droga chamada BZ usada nos soldados durante o Vietnã para estimular o seus instintos mais selvagens, quase primários. O resultado? Um banho de sangue e matança dos soldados americanos atacando os próprios soldados americanos. Foi o que causou a morte de muitos, inclusive do próprio Jacob, como confirmado na última cena do filme.

FIM DOS SPOILERS    
 
Confesso que ao final do Alucinações do Passado fiquei bem confuso, principalmente depois da cena final. Mas foi aí que eu entendi na verdade para que aquela cena final serve. Ela dá um sentido surpreendente para toda história. E é nesse ponto que Alucinações do Passado se torna tão importante a ponto de marcar época e influenciar gerações de cineastas e outras obras.

O cirurgião cego

A religião (como a Escada de Jacob que liga o céu à Terra) e as artes (como as pinturas de Francis Bacon onde o verdadeiro terror estava na figura humana desfigurada) são grandes influências para Alucinações do Passado.



Pinturas de Francis Bacon, que inspiraram algumas figuras assustadoras do filme

Um filme fascinante e inquietante que teve um significado pra mim quando assisti ainda pequeno - mesmo que só uma parte dele - e que agora quando adulto vejo com outros olhos. E a partir dele levanto outros dilemas, questões e perguntas sobre a existência. Certamente um filme que deixa perguntas e não um filme que entrega respostas.

Referências bíblicas

Veja abaixo o trailer de Alucinações do Passado.

domingo, 24 de junho de 2018

ARTISTA DO DESASTRE (2017)

Franco e Wiseau, na mesma cena

ARTISTA DO DESASTRE (The Disaster Artist / 2017) - Ed Wood sempre frequenta a lista dos piores diretores da história. E Plano Nove do Espaço Sideral, de 1959, a sua obra-prima... no caso ao contrário. O filme sofre com atuações caricatas, um roteiro simplista e aeronaves de papelão com cordinha aparecendo. É um dos piores filmes já feitos e ganhou status de cult. Mas tem lá seu charme e no fundo, nem acho tão ruim assim.

Plano 9 do Espaço Sideral 

Mais de quarenta anos depois The Room foi lançado. Esse sim ruim até o osso. Já que Tommy Wiseau tinha dinheiro para fazer algo melhor. Só não tinha talento e mesmo assim escreveu, produziu, dirigiu e estrelou The Room. E é justamente a história dos bastidores deste filme que O Artista do Desastre retrata.

Franco dirigindo

James Franco está excelente como Wiseau, um cara desligado do mundo, desconectado de qualquer padrão de fala ou postura, tem sempre o olhar perdido como se estivesse bêbado e com trejeitos exageradamente lentos, além é claro de uma risada irritante, porém marcante.

Wiseau e Franco

Ao lado do seu único amigo Greg (interpretado por Dave Franco, irmão mais novo de James), eles s mudam para Los Angeles com o sonho de entrar para o mundo do cinema. O problema é que depois de tantas negativas em testes e de agentes, a dupla decide por conta própria, fazer um filme independente negando o grandes estúdios.

Greg (Dave Franco), o melhor amigo

Artista do Desastre acompanha as gravações caóticas de The Room. O exagero aqui faz parte do espetáculo - segundo o filme, Wiseau por várias vezes chegou atrasado no set, brigou com toda a equipe, não conseguia decorar falas simples, era motivo de piada e mandou todo mundo embora na reta final, contratando uma equipe novata para fazer apenas a última cena. E tudo isso gastando dinheiro próprio, algo em torno de 6 milhões de dólares, que nunca ninguém soube a origem.

A equipe desanimada no set

O filme termina com a exibição de The Room e o constrangimento de Wiseau por seu drama ter arrancados risos estéricos da plateia. Isso no começo. Depois ele percebeu que o filme, por pior que fosse, funciona na medida em que causou alguma emoção em quem assistia.

Não era bem essa a reação que ele esperava?

Até hoje, The Room é exibido com relativo sucesso em sessões da meia noite e por isso recebeu o status de filme cult. Artista do Desastre é uma ótima comédia, algo que nos incomoda por fazer rir de um personagem tão excêntrico e com um produto final tão pífio e que, o pior de tudo, ainda arrecada quantias razoáveis de dinheiro. A direção de James Franco é segura e entrega um filme elogiada por crítica e público, além de ser indicado ao Oscar de melhor roteiro adaptado.
Veja abaixo o trailer de Artista do Desastre.